sábado, 18 de abril de 2009

Prevendo 2006

Última crônica de uma era, que seria publicada em março de 2007, mas não o foi devido ao fechamento d’O Taquaryense. Com a mobilização da comunidade, o jornal reiniciou as atividades em meados de 2007.

Fidel, é virada de ano e novamente amolecemos nossos corações, dispostos a nos enganar e cair em qualquer conto-do-vigário. Fazemos qualquer coisa para continuar acreditando em Papai Noel.

Pai Mário junta envelopes de engov amassados que, à guisa de búzios, joga para prever o que será o ano de 2006. Sim, continuo contra a corrente, fazendo o difícil, que é prever o passado, enquanto outros bidus sem imaginação fazem previsões para o ano vindouro.

Mas, peraí... Há alguma interferência na minha antena sobrenatural. Vamos combinar assim, Fidelito: pelo menos uma das previsões a seguir é furada. Não sei dizer qual – todas são inacreditáveis e plenamente possíveis de acontecer no Brasil.

Em 2006 a cidade de São Paulo resolverá, de forma abrupta e completa, seus problemas de engarrafamento, roubos e falta de policiamento. O feito será creditado a um grande líder político. O nome dele... Marola, Carola... Fidel, dá uma pancadinha aí na antena futurista porque eu não estou conseguindo ver direito. Ah, valeu: Marcola1.

Um brasileiro irá para o espaço. Curiosamente, será um astronauta – e tanta gente querendo mandar certos políticos e tantas figuras tenebrosas para a estratosfera...

A Copa 2006 será plena de sucesso para o Brasil. Não seremos campeões, até porque ninguém estará a fim, mas os objetivos traçados serão todos atingidos – Ronaldo Gorducho será o maior artilheiro de todas as copas; Cafu será o recordista brasileiro de atuações em copas.

O governo e o partido do presidente continuarão aprontando em 2006. Apesar de tudo, o presidente vai se reeleger porque a oposição conseguirá ser pior. O candidato oposicionista será um sujeito que virá com uma conversa para lá de mole, que eu achava que estava sepultada desde Jânio Quadros, Fidelito. Me enganei. E assim seguiremos firme, rumo às trevas.

O espaço aéreo brasileiro será palco de um dos maiores shows de incompetência da história da humanidade. Fidel, dá uma cacetada bem forte na antena. Não pode ser... Eu estou vendo aqui que nenhuma autoridade (ir)responsável será demitida. Não pode ser verdade. Perdão, leitor. Perdão, leitora. Esquece essa previsão, meu aparelho de ver o futuro deve estar enguiçado.

Câmara e Senado votarão uma lei que permitirá a deputados e senadores bater a carteira e passar a mão no popô de qualquer cidadão pagador de impostos. Tentarão aprovar também o direito de encilhar e andar de cavalinho nos cidadãos, mas preferirão poupar os cofres públicos – as encilhas iriam custar muito caro.

A cidade do Rio de Janeiro, berço do flanelinha e de outras pequenas extorsões e estelionatos adotados pelo Brasil inteiro, verá concretizada a transferência do poder público para os traficantes, após décadas de cuidadoso planejamento. A culpa será da imprensa, que distorce tudo porque tem má vontade com o Híiu.

O Inter será campeão do mundo. Com um time reserva (ou coisa parecida). Com o Clemer de goleiro. Com o Abel de técnico. Com gols de uns guris de 17 e 19 anos na semifinal. Com gol do Adriano Gabiru na final. Contra o Barcelona, a seleção das seleções. Não me xinga, Fidel! Eu apenas estou te contando o que dizem os búzios. Já falei no início que alguma das previsões era furada; deve ser esta... Mas vou te contar: que festa! Ou esta é a previsão mais furada de Pai Mário, ou a seleção das seleções, o Barcelona, foi imobilizada, levou lençóis e outros dribles e caiu para não mais levantar diante do glorioso Colorado dos Pampas!



1 Marcola – Bandido, ou... como dizer de forma politicamente correta... Cidadão adepto da solução sumária de problemas e comerciante do ramo de tóchicos que em 2006 transformou-se no redentor da cidade de São Paulo. Fez o que nenhum político sequer chegou perto de conseguir: acabou com os engarrafamentos, roubos e falta de policiamento. Por alguns dias, a terra da garoa foi um lugar tranqüilo. Aterrorizado, mas tranqüilo.

sábado, 11 de abril de 2009

Internet cacete

Publicada n'O Taquaryense em 4 de novembro de 2006.

Fidelito, já encheu o saquinho esta enxurrada de e-mails atribuídos a escritores famosos que abarrota minha caixa postal. É sempre igual: sujeito chato, que se acha escritor, destila sua chatice num texto trôpego e o espalha pela web, atribuindo-o falsamente a algum figurão, na esperança de que passem adiante. Passam.

Já atribuíram a García Márquez um discurso piegas sobre um suposto câncer. Já atribuíram ao Luís Fernando Veríssimo umas gracinhas pouco engraçadas. Mas, como em toda a regra, há exceção: a Sara, aquela garota de Floripa, escreveu o "Quase", texto dor-de-cotovelo que alguém (ela jura que não foi) jogou na web com o nome do Veríssimo e criou fama.

“Quase” foi parar numa coletânea francesa (foi mesmo, não foi quase), matando duas cobras na mesma cacetada: provou o talento da menina e a universalidade da picaretagem. A francesa que se apropriou do texto "do Veríssimo" sequer o consultou – imagina se pagou os direitos autorais... A França não é um país sério.

Recebi um e-mail atribuído ao João Ubaldo Ribeiro. Podre. Como se o baiano fosse fazer esse discurso moralista que eu estou lendo - que no Brasil todo mundo é desonesto, bibibí, bobobó, com cinco pontos de exclamação (!!!!!) – prova inequívoca de que o autor não vive de redigir. Que no Brasil nunca vamos comprar jornal como no exterior, onde o sujeito bota a moeda, abre a caixa de jornal, tira um exemplar só e fecha a caixa de novo.

Tá bom. Tanta civilização ainda é sonho para nós. Mas, peraí... Achar que só a gente é picareta é um erro básico. A gente é vira-lata, isso sim - rouba-se e picareteia-se por qualquer trocado no Brasil. Qualquer mané rouba, não é preciso grande talento.

Porém, a picaretagem existe no mundo inteiro e é irreal esperar que suma. O que nós temos de particular é a democracia: tanto o juiz Lalau quanto o Zé das Couves roubam e se consideram cidadãos de bem. Eles não são “qualquer um”.

A última que me veio empestar a caixa postal é uma baboseira sobre uma tal “Sociedade dos Amigos de Plutão”. Segundo o e-mail, seria mais uma trambicagem do PT: uma ONG para promover o retorno de Plutão à condição de planeta (rebaixado que foi a asteróide, coitado).

A ONG receberia dinheiro público para pagar seus 800 diretores, a 20 mil reais por semana. Inclusive, o presidente Lula teria liberado 7,5 milhões de reais para a Sociedade. [Parênteses não bastam; aqui eu preciso abrir colchetes: faz a conta, Fidel, e vê que essa grana só pagaria 3 dias de salários da diretoria – para que tanto auê por essa mixaria?]

Só um sem-noção acreditaria numa besteira dessas, né Fidelito? Ou não. O jornalista Cláudio Humberto (porta-desaforo do ex-presidente Collor, lembra, Fidel?) denunciou a liberação da verba. O nobre senador Heráclito Fortes leu e, com a mesma falta de espírito crítico (na falta dela, o rigor jornalístico de verificar a verdade também teria resolvido o problema), defendeu a criação de uma CPI.

O bacana da vida moderna (tinha que ter alguma vantagem) é que está tudo aí para a gente conferir: o mico do senador foi parar no YouTube. A radiografia completa da besteira, incluindo link para a coluna claudiohumbertiana, está em www.quatrocantos.com/LENDAS/.

domingo, 5 de abril de 2009

Eu contra três

Publicada n'O Taquaryense em 23 de setembro de 2006.

Fidel, como tu bem sabes, temos a difícil, ingrata, lamentável tarefa de escolher, até outubro, nossos representantes na presidência da república, senado, câmara federal, governo do estado e assembléia legislativa estadual. A informação disponível para isso é nossa memória, musiquinha, a cara do sujeito ou da sujeita e alguma frase besta que o postulante declama, apanhando do teleprompter.

E a ficha corrida do boneco, para a gente saber de quantos anos de cadeia o estamos livrando? Pois, uma vez eleito, a impunidade parlamentar garante o indulto e o engavetamento do processo. Ê trem bão!

E o boletim escolar, para saber se estamos elegendo um burro esperto? E o psicotécnico, para saber se vamos sentar nas poltronas macias da casa executiva ou legislativa um maluco de atar? E a transcrição ipsis litteris de todas as declarações de renda já apresentadas à Receita Federal pela personagem? É isso que eu quero saber, postado na internet. Podem me poupar de musiquinha e papo engana-coió.

Para os que já deputam e querem deputar mais, eu quero a relação completa dos votos que deu até hoje e o índice de freqüência ao trabalho. Quer se reeleger? Pois eu quero saber como vossa excelência deputa. Sem dispensar a ficha corrida, o boletim, o psicotécnico...

Querem que eu pague essa campanha fraudulenta com um tal “financiamento público de campanha”. É ruim, hem? Se fossem pessoas físicas, Fidelito, o tribunal eleitoral, os partidos políticos e as produtoras de vídeo seriam presos por estelionato e formação de quadrilha. Ou o que tu farias com quem constrange o cidadão a financiar propaganda enganosa? A propaganda eleitoral gratuita é o conto do vigário em escala industrial e nacional.

Falam no financiamento público de campanha como se já não existisse. E quem é que paga o tempo da TV? E os partidos não recebem gordas boladas? Que fique claro, então: o financiamento público de campanha já existe; eles apenas estão querendo mais, muito mais.

Eu nunca ouvi falar de alguém que decidiu votar em um candidato porque viu um cartaz ou um anúncio no rádio ou TV. Muito menos porque participou de alguma das modalidades mais estúpidas de propaganda política - showmício e carreata. No entanto, é nessas coisas que muitos candidatos enterram boladas de dinheiro.

Eles devem ter razão. Eles sabem como votam os 75% de analfabetos do Brasil. Eu é que não sei. Mas não me digam que o Congresso é um espelho do Brasil, porque não é. Lá, muito poucos são analfabetos. Aqui fora, no Brasil, os bandidos não têm mesada e sigilo garantido.

Não me julga mal, Fidel. Não tenho nada contra os políticos, muito pelo contrário. Outro dia, ouvi falar de um deputado candidato a voltar à câmara federal que sabe o que é ciência e para que serve. Saquei rápido caneta e folha de papel. Resolvi 1/5 do problema; só falta escolher o resto dos meus candidatos.
Mas, eis que surge no horizonte uma luz. Há gente interessada em mostrar detalhadamente quem é cada candidato. São essas ongues. Talvez eu dê algum dinheiro para elas. O quê? Pensaste que o financiamento público de campanha iria para quem quer informar o eleitor? Tolinho! Isso não interessa ao tribunal eleitoral, aos partidos políticos e às produtoras de vídeo.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Tapir Hirsuto e os concursos públicos

Publicada n'O Taquaryense em 5 de agosto de 2006.

Caro Fidel, desde que te apresentei o emérito professor doutor Tapir Hirsuto, o homem não parou mais de se exibir. A grande influência do ilustre acadêmico se fez notar, recentemente, nos concursos públicos realizados por certas universidades federais (espero que não inclua a minha alma mater, Fidelito, a gloriosa UFRGS).

Pois Tapir e seus amigos deram para impor a mediocridade compulsória e fazer barreira para a competência. A idéia é simples: cada concurso exige diplomas específicos que o cidadão tem que ter. Não importa se o candidato é o maior expoente mundial da área do conhecimento. Não importa se os alunos estudam nos livros dele. Não importa se tem mais publicações científicas no assunto do que toda a banca que o julga.

É preciso ser um Tapir Hirsuto para impedir um Piaget de lecionar para Pedagogia. “Sabe o que é, seu Piaget, é que para entrar para o Departamento de Pedagogia da Universidade Federal de Cacimbinha tem que ter diploma de Pedagogia. Como o senhor é biólogo, não dá”.

O mesmo vale para outras panteras que não poderiam nem miar nas nossas universidades. O sociólogo Tom Davenport não poderia lecionar para Administração. É preciso ser um Tapir Hirsuto para barrar o talento e fazer da mediocridade o máximo admissível. Só no Brasil.

Pois é, Fidelito. Enquanto nós damos tanta importância a um pedaço de papel chamado diploma – uma espécie de prisão perpétua na cela coletiva dos obtusos que fizeram o mesmo curso –, os gringos do chamado “primeiro mundo” nem ligam para este tipo de cartório acadêmico. Chegam até a perdoar pequenos e grandes trambiques para que uma “fera” possa trabalhar.

Olha dois exemplos, um de pequeno deslize e outro de grandes crimes: o ator norte-americano James Woods começou a carreira sem ter estudado interpretação, mentindo e convencendo que era inglês de Liverpool para ganhar seu primeiro papel. É ou não é um grande ator? Fez Ciência Política no Massachusetts Institute of Technology e tem um QI acima de 180.

O outro exemplo é Frank Abagnale Junior, interpretado no cinema por Leonardo Di Caprio. Com 136 de QI, roubou milhões de dólares aos 19 anos com suas falsificações, além de enganar brilhantemente como professor, piloto de avião, advogado e médico. Foi preso, foi contratado pelo FBI e, tempos depois, enriqueceu como consultor em segurança contra fraudes.

Pensando bem, já que falamos em QI, bem que o emérito professor doutor Tapir Hirsuto poderia cair em desgraça e dar espaço para Koko, a gorila, que fala a língua de sinais e tem QI de 90, pouco menos do que um ser humano de inteligência mediana. Seu vocabulário é de umas 500 palavras (eu ia dizer algo sobre nossos universitários; melhor não...).

Koko dá respostas simples e sensatas. Perguntada se gostaria de ter um gato, um cachorro ou outro gorila como amigo, foi taxativa: “Cachorro” (eis que não são só os humanos os desiludidos com os de sua espécie). Se perguntássemos “O que tu achas dos concursos públicos nas universidades brasileiras?”, ela certamente responderia: “Burrice”.

Ela é uma ativista política e formadora de opinião. É palestrante de sucesso e já fez vídeos educativos, como podemos ver em seu sítio na web (www.gorilla.org). Abaixo Tapir Hirsuto! Koko para ministro da Educação!