segunda-feira, 23 de março de 2009

Dois baixinhos atarracados

Publicada n'O Taquaryense em 20 de maio de 2006.

Caro Fidel, algumas figuras que fazem boa fama conseguem mantê-la intacta para a posteridade. São os que morrem cedo. Não dá tempo de mostrar as mazelas do ser humano.

Carlos Gardel (canta cada vez melhor), Ayrton Senna (supercampeão e filantropo). Mas alguns não morrem cedo e expõem fraquezas: Pelé, que negou e renegou a filha que é o seu focinho; Emerson Fittipaldi, que foi salvo do acidente de ultraleve de graça, pelos bombeiros, e fez propaganda para um plano de saúde, com helicóptero, inventando um resgate inexistente.

Emerson esqueceu que foram os bombeiros, esqueceu que se arriscaram, que um perdeu um pé de bota e uma farda na operação de salvamento, que quinze viaturas participaram do resgate. São erros, maracutaias, trapaças, humanidades.

Os heróis às vezes abusam. A fama mingua, mas não some – sempre restam fãs que os elevam a ídolos. Todavia, os fatos criam uma imagem sinistra na cabeça de qualquer pessoa que admita uma análise racional da coisa.

Quero falar, por estas mal-traçadas, de dois baixinhos atarracados, amados pelo povo, que suicidaram a fama jogando-a do alto da vaidade. Um é argentino e encantou o mundo com seu talento futebolístico. Um grande artista; nem precisaria dizer que se chama Maradona.

Não bastasse a sacanagem do gol de mão contra a Inglaterra, na Copa de 1986, que ele atribuiu à “mão de Deus”, o baixinho teve um ataque de sinceridade que nivelou a estatura moral à estatura física. Era um programa de TV com vários marmanjos dizendo besteira (típico...).

Lá pelas tantas, Maradona contou que tinha tranqüilizante a água oferecida a Branco, lateral e competente cobrador de faltas, no jogo contra o Brasil na Copa de 1990. A mentoria do crime é atribuída ao técnico Carlos Bilardo. Mas, ao rir às gargalhadas com todos os participantes do programa, deu um recado inequívoco aos argentinos: “somos espertos”.

Como fica a cabeça do garoto argentino que vê o maior herói nacional vivo declarar que, para vencer, é preciso, justo, ou até bacana trapacear? Que espécie de perversão é preciso construir nas cabecinhas para vencer essa dissonância cognitiva? (Pois papá, mamá, abuelo y abuela sempre disseram que trapacear é feio).

Vamos ao outro. Esse é brasileiro, de origem muito humilde, como o argentino. Porém, diferente do argentino, levou 20 anos para que fosse aceito pela maioria. De tanto persistir.

Perdeu 3 eleições para presidente. Na primeira, insistiu na campanha limpa apesar das vulnerabilidades do oponente no campo das drogas e do catatau de mentiras – as mais importantes desmascaradas na TV, em horário nobre – plantadas pelo comitê do oponente.

Hoje eleito e em pleno mandato, quando começou a ficar claro que as práticas de seu governo são iguais ou piores do que as de antes, nosso presidente fez de conta de que não era com ele. E pisou na bola de verdade ao afirmar que ninguém tem mais autoridade moral e ética do que ele para combater a corrupção.

O aparelhamento partidário de empresas públicas, com companheiros sem a competência dos especialistas que substituíram, o negócio para lá de estranho do filho, o dinheiro em cuecas, jatinhos etc. no caminho do bolso de deputados... isso são fatos. Vociferar em favor próprio é bravata de baixinho invocado.

Nenhum comentário: