quarta-feira, 25 de março de 2009

Me dá meu boné

Publicada n'O Taquaryense em 24 de junho de 2006.

Fidel, de vez em quando algum objeto fica famoso no Brasil e só se fala nele. Já foram: foguete, (boquinha da) garrafa, cueca... Agora é a vez do boné, que já era imortal na voz da Clementina de Jesus: “Me dá meu boné que eu já vou-me embora, porque brincadeira tem hora”.

Pois o Congresso Nacional, fustigado por tanta corrupção, buscando eleger alguém (“El malo”) que pudesse assumir e purgar os pecados atuais (os roubos de PIB dos últimos 500 anos a gente já dá por perdidos), elegeu o boné. Faz sentido, pois uma pessoa, por mais ladrão de carteirinha que fosse, jamais conseguiria chupar para si toda a culpa, fazendo os demais parecerem honestos. Demonizaram o boné, então.

Decidiram que o caixa 2 das campanhas políticas existe porque precisa ter dinheiro para fazer boné de candidato. Sem boné, caixa 2 never again. Mas sempre tem um descontente, né Fidel? O pessoal que faz boné detestou a idéia.

Outro dia ouvi uma entrevista no rádio que me deu dó. Evito nomes reais para não ficar chato. O entrevistador era um jornalista que me apraz ouvir, chamado, digamos, Hétero Cabeleireiro. O entrevistado era um senhor que faz boné, chamado, digamos, seu Zé do Boné.

Deu pena porque seu Zé tentava argumentar contra o recente veto à distribuição de bonés e outros brindes pelos candidatos. Só que se enrolou ao dizer que dar brinde não é comprar voto, mas que o boné é uma peça de mídia. Só que anúncio em outdoor, TV e rádio também são. Como o espírito da lei é evitar o abuso do poder econômico, Zé do Boné deu um tiro no pé.

Havia outras estratégias. Ele podia apontar a arrogância dos puderes constituídos no Brasil, que não se envergonham de mudar uma regra da noite para o dia em vez de valer para a próxima eleição (outra suprema arrogância é cobrar imposto de renda no último dia do mês e dane-se quem mais paga, o assalariado, que recebe no início; mas essa é outra história).

Ou, então, seu Zé poderia botar o boné de cidadão brasileiro e aproveitar para propor uma troca. Para compensar que os empresários e trabalhadores da indústria do boné vão passar fome, os senhores candidatos seriam obrigados a publicar sua ficha corrida, psicotécnico e referências de cada lugar que passou, desde o jardim de infância. O currículo completo.

Tudo na internet; quem omitir algo fica inelegível ou perde o mandato. Tem que ter o nome, endereço e telefone da professora primária, dos colegas de escola, dos chefes, colegas e subordinados. Assim, nós poderíamos escolher um candidato, o que é impossível no atual sistema blablablá-e-musiquinha.

Já pensaste, Fidel? “Alô, dona Solange? Por que é que as notas do candidato Asdrúbal eram tão baixas?” “Ooo queee? O deputado Mamute era lotado aí mas só tomava cafezinho e trazia atestado? Não admira que falte às sessões da Câmara!” “Quer dizer que o candidato Paramécio foi pra rua porque roubou no caixa? Aham...” “É mesmo, seu Souza? O candidato Helminto levou para casa a máquina autenticadora e distribuiu 500 carnês de IPTU ‘pagos’? Radical! Por isso faz tanto voto!” “Washington, o doutor é advogado de quantos traficantes, mesmo?”

Se for assim, Fidelito, eu até topo financiamento público de campanha. Pago com convicção. Senão, me dá meu boné que eu já vou-me embora, porque brincadeira tem hora.

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