sexta-feira, 21 de novembro de 2008

É dos carecas

Publicada n'O Taquaryense em 22 de maio de 2004.

Fidel, a marchinha é antiga, mas bem conhecida: “é dos carecas que elas gostam mais”. Parece que as mulheres não concordam, mas há debates acalorados sobre o tema. É involuntária e tão comum entre os homens que, afinal, a calva é só uma característica.
Se é tão comum, não deveria causar qualquer conseqüência. Mas eu próprio experimento um certo espanto quando ouço alguém se referir a mim como “meio careca” – eu me considero meio cabeludo! Enquanto há um fio, há esperança.
Conheço um senhor de seus 50 anos, careca ampla e lustrosa, que mantém em seu escritório um retrato dos tempos da jovem guarda com uma vasta cabeleira. Aos que estranham, ele retruca: “Mas é assim que eu me vejo!” Que cara-de-pau! Pudera, Fidelito, que lhe tenham aplicado certo apelido quando apareceu com uma camisa de malha café-com-leite de gola rolê... (imagina a cena e vais entender; o pudor me interdita).
Mas há uma careca diferente da típica masculina e que não é voluntária nem involuntária; o fato é que é necessária. É um sinal de que a quimioterapia está funcionando e as células que se multiplicam muito rapidamente estão sendo barradas. Há esse efeito estético porque, entre as células normais, as cabeludas são das que mais crescem. Para as cancerosas pararem, elas também param.
Andei lendo coisas acadêmicas e populares sobre pacientes de câncer. Os que participaram de pesquisas dizem coisas preciosas: “eu tô com essa esperança de viver porque acho que vou dar algo também pros outros ainda”; “eu não me abalei quando descobri que estava com câncer, mas me abalei de ver como eles reagiram”.
Tem o clube do confessionário: “antes era farra, muita farra, não levava nada a sério”. Mas o máximo da honestidade eu achei nesta resposta para “o que é qualidade de vida para você?”: “deixa eu pensar um pouquinho...”
Parece que o câncer sempre existiu. Foi registrado pelo Hipócrates (aí por 300 A.C.). Galeno, outro batuta, desenganou seus pacientes – não havia muito a fazer aí pelos 150 D.C.
Michelangelo retratou um caso avançado de câncer no seio esquerdo da “Noite” (1524). Em seguida descobriram a célula; isto ajudou a evolução do tratamento para as mais de 100 doenças que respondem pelo nome de câncer, que algumas pessoas evitam, o que em nada ajuda. Chamar de neoplasia é um despiste inútil.
Entre os estudiosos atuais, Simonton diz que nenhum deficiente mental tem câncer, o que aviva a idéia de que condições estressantes podem estar no centro da causa. Ele vai além e diz que o câncer pode ser uma solução, uma saída (inconsciente) encontrada.
Então, Fidelito, a gente se pergunta: o que fazer com as feridas da alma? Se tudo o que se sabe é “nenhum fumo (passivo inclusive), alimentação saudável, vida ativa...”? Um abraço ajuda, então mando um dos fortes. E se eu soubesse como fazer o transplante, pegava a alegria da marchinha carnavalesca e entregava para todos os carecas.

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