quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Garotos de salto alto

Publicada n'O Taquaryense em 26 de junho de 2004.

Fidel, tu sabes que eu sou um representante típico da minha geração, afogado em informação. Para sobreviver nesta sociedade do conhecimento, preciso jogar fora muita informação e tentar reter o mais importante, para aperfeiçoar o conhecimento.
É uma loucura. Eu não consigo prestar atenção na TV durante a previsão do tempo ou o futebol, por exemplo. Quero saber se vai chover ou o quê; vai começar a previsão do tempo; A bela apresentadora mostra o Acre; "nuvens no sertão baiano..."; intervalo.
E aqui no Sul do país? Não sei, um pulso de tempo engoliu a previsão para todo o Sul (ou então eu não consegui prestar atenção até o fim). Com futebol, a mesma coisa.
Toda essa explicação para te contar que vi na TV um Brasil versus Chile, eliminatórias do torneio olímpico de futebol de 2004. Tu deves lembrar, foi em janeiro. Vi, mas não enxerguei. O jogo acabou e eu achei estranho: parecia que os jogadores comemoravam algo além da vitória – o que seria?
Na hora não dei bola (apaga logo que aí vem mais informação). Depois da eliminação brasileira, venho a saber que os jogadores estavam, mesmo, comemorando a classificação, e observando bem até se podia ler nos lábios de um deles: "Atenas! Atenas!" (ou seja: estamos classificados!). Fidel, eu não acredito que mais uma vez cometemos essa estupidez!
Faltou combinar com os paraguaios, próximos adversários, que eles não poderiam nos ganhar no último jogo. Primeiro, achei muito digna a atitude do treinador, que assumiu a culpa pela derrota. Mas depois de entender o que aconteceu já não tenho tanta simpatia.
Eu, no lugar dele, teria acabado com a besteira da comemoração antecipada ali mesmo no gramado, arrastando pela orelha se fosse preciso. Mas ele deixou barato e deu no que deu: garotos jogando de salto alto e Paraguai 1x0, classificado no “nosso” lugar.
Todo mundo deveria ver as imagens de 1950: o excesso de confiança, o menosprezo, o pasmo, o choro pela derrota para o Uruguai na final da Copa do Mundo. É preciso assistir a "Barbosa" do Jorge Furtado com Antônio Fagundes.
Para quem não viu: um inventor era criança e estava com o pai no Maracanã naquela final de 1950. Décadas depois, constrói uma máquina do tempo e volta àquele 16 de julho determinado a evitar a tragédia.
Eu acho a história do Maracanazo tão preciosa que paguei caro, lá no Mercado del Puerto de Montevideo, por uma foto dos uruguaios abraçados na comemoração e muitos fotógrafos ao fundo, máquina pendente da mão ou do pescoço. O vendedor viu o brilho nos meus olhos e não deu nenhum desconto, mas me explicou: son fotógrafos brasileños; la Copa del Mundo tiene un campeón, pero a ellos no les interesa.
Por sorte, um fotógrafo uruguaio estava lá para bater a foto de Don Obdulio Varela e companhia. Ao fundo (e atrás e dos lados), 200.000 presunçosos apalermados, além de um país em choque. Um amigo uruguaio me disse que a lição serviu menos ainda para eles, que desde lá só decaíram. Vai entender...

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