quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O dedão, o dedo e outras grosserias

Publicada n'O Taquaryense em 29 de maio de 2004.

Dileto e bem-educado Fidel, que coisa esse fichamento policial dos cidadãos norte-americanos que entram no Brasil! Fotografia segurando tabuleta com data, dedão lambuzado de graxa para as digitais. Pensei: que ruim, não tem sentido. Porém, não é motivo para alguém sapatear, gritar ou esmurrar. É a lei, acata-se.
Vi no jornal que vários foram mandados de volta por negar-se a passar pela romaria, e um até foi preso – um piloto que na hora de tirar a foto segurou a tabuleta mostrando acintosamente “o dedo”, num gesto obsceno que não preciso desenhar (poupo meus preciosos leitores). Isso me trouxe à lembrança acontecimentos da infância e da juventude.
Num certo dia da meninice, na praia, um garoto conhecido, eu e mais alguém passamos boa parte da manhã pescando peixinhos com uma rede de saco de aniagem. Bacana, gostei. Mais para o fim da manhã, havia uma boa quantidade de peixinhos para uma fritada.
Inocentemente eu perguntei: vamos dividir? “Dividir, nada. Isso é tudo meu”. Não deu raiva, pois eu nem saberia o que fazer com os peixes e se lembro bem a rede era dele, afinal. Perguntei por perguntar, nem tinha grande interesse. Apenas me parecia a coisa mais natural do mundo fazer aquela partilha.
Pano rápido. Uns dez anos depois, me pedem para ligar para o mesmo garoto para saber de um certo papel de uma negociação, que ele deveria ter enviado pelo correio. “Ué, mas eu já mandei, tu estás louco?” Não, eu não estava louco, nem entendi por que a resposta tinha um vezo de rispidez. Talvez fosse o jeito dele. Deixei para lá, naquele momento.
Passa dia, tal e coisa, aperta de novo, venho a descobrir que não somente o papel não havia sido enviado, mas também que o motivo eram uns pilas a mais que ele ganhara omitindo detalhes do negócio, prejudicando o parceiro (o tal que me pedira para ligar). Achou que se fazendo de besta iam-se esquecer do papel. Conheciam-se havia décadas, acabou o relacionamento ali. Que coisa, hem, Fidel?
Volto aos fichados. Estou bastante seguro de que os cidadãos norte-americanos foram informados de que o procedimento incômodo e, para alguns, deveras grosseiro, devia-se à reciprocidade de tratamento – o governo deles faz o mesmo com os brasileiros. Na verdade faz bem pior e isso é só um detalhe num rosário de ruindades que não vou desfiar aqui – a leitora que negue a ruindade, se quiser.
Um amicíssimo meu (que nada tem de comunista, caro leitor) gostou da nossa política. É um recado para quem pensa que ainda somos aquela imensa tribo simpática e subserviente. “Nunca fizemos nada contra eles”, ele me disse. “Seqüestramos o embaixador deles”, obtemperei eu (de sacanagem). “Que prendam o Gabeira”, retrucou ele com um sorriso.
Quer dizer que o garoto mal-educado, avarento e agressivo não gostou da moeda de troca? Que vá amuar-se em casa. Por que tratar bem gente ruim? E quem merece – clamo a ti, ó leitor –, tem recebido flores?

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