sábado, 29 de novembro de 2008

Devo tudo ao doutor João Boquinha

Publicada n'O Taquaryense em 10 de julho de 2004.

Fidel, a história não é minha mas me apraz narrar na primeira pessoa. Um amigo me contou como verídica. Troco detalhes, obviamente, mas mantenho o espírito.
Comecei a trabalhar ajudando no bar da família, meio turno, mas só depois da lição de casa. Eles queriam que eu estudasse para “ser alguém”. Aí pelos 17 terminei o 2º grau, como se chamava na época o ensino médio.
Com diploma, era hora de arrumar um emprego. Aí é que entra o deputado João Boquinha, grande homem. Devo tudo o que conquistei a ele que, na época, havia assumido uma diretoria regional de um órgão público. Coisa importante.
Minha mãe conseguiu um cartão dele. Tinha que aproveitar para pedir emprego agora que ele era diretor. Os tempos já eram difíceis, um empurrãozinho no início da carreira viria bem.
Numa terça-feira, lá fui eu. O homem era mesmo importante, porque passei toda a tarde esperando e nem o vi. Mas o paletó estava lá. A secretária disse que era difícil falar com ele, mas que insistisse. Só depois de ir embora lembrei do cartão (e levei bronca em casa).
Voltei. Mostrei o cartão, disse que o Dr. e meu pai eram conhecidos. Ainda mais amável ela foi – ofereceu café, pediu para sentar e aguardar, que na primeira oportunidade eu seria chamado. Só não deu naquele dia porque o Dr. ficou em reunião em algum lugar. Daí, só na outra semana, pois na quinta o Dr. visitaria as bases e só viria na terça seguinte.
Re-voltei e, finalmente, depois de esperar mais, ler numa revista os detalhes da separação do Roberto Carlos (calcule a época!), saber dos progressos do filho da secretária com as aulas particulares de matemática e secar uma garota bem bonitinha que tinha vindo pegar uma assinatura (ô timidez besta, por que não puxei conversa?), vi o deputado pela primeira vez, num abrir de porta. Ele falava com um senhor que dizia “Vou ficar até amanhã, mas nem um hotel decente tem por aqui”.
Minha mãe sempre criticava minha mania de observador – “esse menino vive nas nuvens”. Ela devia ter razão, pois o que me chamou a atenção foi o fato de que o Dr. não usava o paletó sempre pendurado na sua cadeira – que continuava lá –, mas um outro. Estranho...
Também lembrei do meu amigo Maneca, que me havia convidado para sócio no hotel de meia estrela, herança dos seus veteranos que se aposentavam. O Maneca tinha gostado muito das idéias que eu dei quando me falou da encrenca que seria assumir um hotel com pouca receita e muitos defeitos.
Para não espichar muito a história, eu já estava ficando cansado do chá-de-banco e fui falar com o Maneca. Aceitei a oferta (o convite já ia aniversariar, mas estava de pé). Não voltei ao gabinete do Dr., mas jamais teria o melhor hotel da cidade, com salão de conferências para 200 pessoas e um baita restaurante se ele me desse aquele emprego.
Mês que vem inauguramos a terceira filial, vai sair até na TV. Mandei um convite ao ex-deputado, agora conselheiro do tribunal de contas do estado. Afinal, tudo o que conquistei na vida eu devo ao doutor João Boquinha.

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