sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A felicidade e o pisca-pisca

Publicada n'O Taquaryense em 19 de junho de 2004.

Caro Fidel, falar sobre o sentido da vida numa crônica é dose para leão. Não é porque a auto-ajuda está na moda que eu ganho o direito de azucrinar o leitor com papo-cabeça. Mas é que numa madrugada de domingo sai cada coisa...
Quase todo mundo quer ser feliz; nem todo mundo sabe como. As circunstâncias influem mas não parecem determinar. Senão, todo mundo com boa saúde e dinheiro no bolso seria feliz e quem anda na pindaíba ou vai a hospital mais do que a shopping andaria sempre vestindo uma cara de limão azedo. Mas não é assim.
Acho que deve haver, mesmo, uma receita de felicidade. Eu tenho a imagem do Dalai Lama, o líder budista (religioso e político) tibetano, como alguém que conhece essa receita, sempre sorridente e amável.
Não é uma felicidade besta. Ele vive a realidade de ter seu povo massacrado há décadas, sua terra usurpada. De algum jeito ele consegue transcender a tragédia; de algum lugar ele tira ou recebe a força. De dentro, só pode ser, penso eu.
Mas é um mistério. Porque há situações nas quais a idéia de felicidade parece excluída. Eu estive na missa de sétimo dia do falecimento da filha de um colega e amigo querido. Adolescente, uma jóia. Viajou para outra cidade e dali partiu para a outra viagem, muito inesperada por nós.
Eu, no lugar dele, teria pirado. A esposa, compreensivelmente, não podia consigo mesma e era amparada pelos mais próximos. Ele ali, fazendo o que podia: ficar de pé e receber abraços amigos. Se alguma brisa de felicidade existe no meio deste deserto vazio e horrível, minha filosofia não consegue captar.
Ou capta, sim, quem sabe. Eu fiquei muito impressionado com a forma com que ele, o pai, conseguiu receber dezenas de amigos, parentes, alunos e colegas que estavam ali por ele. A dor eu tenho certeza de que não posso imaginar, mas a coragem de se sentir e se mostrar vivo eu entendi com clareza e fascinação.
Seria mais fácil desejar que a terra se abrisse e o tragasse. O que fazer depois de perder o que de mais precioso se tem? Talvez por ter outras preciosidades, talvez porque é um talento dele, talvez porque saiba da importância que tem para tantas outras pessoas, não havia o menor sinal de desistência.
E talvez os tibetanos (pelo menos o Dalai Lama), bem como o meu amigo, tenham uma noção de felicidade que vai além da filosofia simplesinha com que somos bombardeados. Falo tanto do bombardeio televisivo, porta-bandeira do besteirol, quanto do modelito básico que nos é impingido desde sempre: céu, inferno, culpa, recompensa, sucesso e por aí vai.
Há quem diga que felicidade não existe, o que existe são momentos felizes. Quem sabe é isso mesmo, muita gente concorda. Ou então esta interpretação está tão equivocada quanto a daquele senhor que, ao ser perguntado se “O pisca-pisca está funcionando?”, respondeu: “Está, não está, está, não está...”

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