sábado, 24 de janeiro de 2009

Basta de ‘Minhas férias’

Publicada n'O Taquaryense em 5 de março de 2005.

Fidel, já na carta que inaugurou esta coluna eu te falei o quanto achava penoso, no tempo do colégio, ter que atender à professora e escrever uma redação sobre as férias, todo santo começo de ano. Era embaraçoso, chato, pouco imaginativo. Um pé no saquinho.
Tanta coisa interessante e a rabugenta queria que eu contasse se tinha viajado de ônibus ou de carro. Mas professor é que sabe das coisas, né? Por isso é que, quando fui dar uma aula sobre chuva para uma turma de 2ª série, mandei sossegar o pirralho que quis falar sobre as primeiras chuvas na atmosfera terrestre, cheia de metano. Que pivete insolente!
Houve um certo março no qual, como sempre, a professora pediu uma redação sobre as férias. Que saco. Eu estaria mais disposto a relatar o campeonato de sumô de besouros chifrudos vencido no dia anterior. Quero dizer, o meu besouro é que ganhou. Não foi mole.
Para quem não conhece, o besouro chifrudo é um mini-rinoceronte com um baita chifre. Ou, para quem curte desenho animado das antigas, pensa no Tundro dos Herculóides – é muito parecido, só que o besouro chifrudo é preto e não cinza, não atira pelotas pelo chifre (infelizmente) e tem só 6 pernas.
Tive a consultoria do Chulé, meu amigo e headhunter de besouros. Ingenuamente, eu queria ficar com o maior dos três que encontramos no jardim, mas o conselho perito do Chulé me ajudou a selecionar aquele que mais vezes desvirou com o chifre a latinha emborcada com que o aprisionamos. Eu não ganharia o torneio com um besouro que desiste fácil! Mas atenção, jovem leitor: não vá matar o bicho no cansaço.
O sumô de besouros, mal comparando com os jogos de adulto, é um esporte caro, assim como o golfe e o iatismo. Precisa (além dos besouros chifrudos, hoje em dia raros) de um tubo de PVC que permita passar os besouros sem muita folga, no qual se faz um rasgo longitudinal de poucos milímetros para deslizar o chifre saliente. O comprimento ideal é de 10 a 15 cm (lembrem-se: é sumô, não maratona).
Funciona assim: colocam-se os besouros frente a frente no meio do tubo e vence quem empurra o outro para fora. Existe uma variante, o cabo-de-guerra de besouro chifrudo, no qual se amarram os chifres nas pontas de uma linha e vence quem conseguir arrastar o outro. Mas o sumô é muito mais empolgante, pois requer certa habilidade para evitar que os besouros escolham ambos recuar. É um segredo de negócio.
Devo confessar que não sei se os guris e gurias de hoje são aporrinhados com a exigência de uma dissertação sobre as férias todo início de ano. Mas que não carece, não carece. Tenho certeza de que há, no universo infanto-juvenil feminino, temas tão palpitantes quanto o sumô de besouros chifrudos.
É certo que os guris de hoje têm recursos que eu não tinha. A gente usava uma tecnologia analógica. Eram lupas (“raios laser”), réguas (catapultas), pedaços de cartolina (velas), palitos de picolé (mastros), chassis de carrinhos, fios e outras coisas que nem conto para que serviam com formigas, caracóis, lesmas e besouros. Nesses tempos politicamente corretos, a sociedade protetora dos animais pode querer meu couro, mas eu tenho esperança de que os crimes estejam prescritos.

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