quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Caras novas na política

Publicada n'O Taquaryense em 18 de dezembro de 2004.

Caro Fidel, mencionei as eleições para prefeito e vereador na minha última carta, mas acabei falando de nomes de gente e de bicho (além de pensar nuns nomes feios para dizer ao tal deputado com nome de bicho). Acontece que o resultado das eleições merece uma prosa. Foram eleitos personagens muito interessantes.
Por exemplo, em Unaí, cidade mineira perto de Brasília, elegeu-se prefeito um dos irmãos acusados de mandante da chacina dos fiscais do Ministério do Trabalho que flagraram trabalho escravo por aquelas bandas. Só 6 meses depois do crime a polícia prendeu Norberto; mais 2 meses e foi preso Antério - esse é o nome do novo prefeito, que passou as 2 últimas semanas pré-eleitorais vendo o sol nascer quadrado.
O Tribunal Regional Federal concedeu habeas-corpus em 5 de outubro. Daí foi uma loucura, Fidelito: o herói escravocrata chegou de avião na cidade que o escolheu com 72,37% dos votos válidos, mas teve de sobrevoar a pista várias vezes até que a patuléia liberasse o campo de pouso. Uma emissora FM chamava para uma grande carreata. A cidade parou. O prefeito eleito chorou. Foi comovente.
Nunca tão atual (e literal, no caso) o Hino Farroupilha: povo que não tem virtude acaba por ser escravo. O novo prefeito terá a oportunidade de escravizar a população inteira, tão desejosa, pois a lei permite empossar quem ainda não foi condenado. Só me resta uma grande dúvida: quão ruim é o Geraldo, candidato derrotado pelo Antério?
Não vai me entender mal, Fidel. Todo mundo é inocente até que se prove o contrário. Mas desanima ver soltos os mentores de um crime tão primário. Os 4 pistoleiros contratados se hospedaram em hotel, depois um comparsa tentou acobertar, rasgando a folha de registro... Tanta incompetência não merece sair impune.
Mas nem tudo é de mau agouro. Lembra do deputado João Boquinha, da história que te contei? Aquele, aposentado, que não deu o emprego pro guri que acabou virando um grande empresário. Pois o filho dele, João Boquinha Junior, entrou na carreira política com uma campanha vitoriosa para vereador.
O clã dos Boquinha é de políticos tradicionais – moderados, jogam mais ou menos conforme as regras e entendem que, em política, o que vale é a versão. Clientelismo e tráfico de interesses, sim, mas nunca se verá um Boquinha envolvido nesses casos escabrosos de corrupção, compra de votos e outros horrores.
A compra de votos é outra área na qual a tecnologia esvaiu a poesia. No tempo do voto em papel, havia um esquema bem bolado, com recibo do vendedor. Funcionava assim: um cabo eleitoral votava com um papelzinho que fazia passar por cédula na hora de depositar na urna. Daí, levava a cédula para o candidato, que preenchia e entregava pro vendedor de voto, que a usava e trazia uma cédula nova, como comprovante para receber o pagamento.
O velho esquema não funciona com a urna eletrônica, mas o povo é criativo. Agora o candidato exige que uma criança acompanhe o vendedor de voto. Se o nenê disser que viu “a foto do tio”, o candidato paga. Talvez nem precisasse, porque o povo vende e cumpre a palavra. Já ouvi que “eu vendo o meu voto e voto mesmo, porque sou honesto”. Ah, bom!

Nenhum comentário: