quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Primeiros prognósticos para 2004

Publicada n'O Taquaryense em 1 de janeiro de 2005.

Querido Fidel, é chegada a hora em que botamos o dedo na moleira, reconhecemos culpas indevidas, ignoramos solenemente as mancadas de verdade e, cheios de fé, nos concentramos em augúrios e decisões e determinações de, dessa vez, fazer a coisa certa. Também é a época do ano em que alguns órgãos de imprensa, compadecidos de nós pela megera carestia que suportamos por um ano inteiro, nos oferecem sentimentalismo barato, baratíssimo.
Já que é assim, pai Mário não vai perder essa bocada. Mais uma vez abre o cafofo e joga seus búzios para trazer ao leitor suas previsões futuristas. Como já começa a ser tradição, as previsões não são para o ano que vem, porque isso qualquer bidu de terceira categoria faz, mas para o ano que passou, coisa muito mais difícil e arriscada.
Gurus de meia tigela limitam-se a previsões clássicas do tipo “um artista famoso vai morrer em 2004”. Pai Mário, ao contrário, joga às devas: um grande intelectual brasileiro, economista, criador e presidente da Sudene, vai para a outra dimensão em 2004. O de cujus será reconhecido, vai viver até para presenciar a ressurreição da Sudene, mas não para ler a manchete “Presos os ladrões contumazes que ordenharam a Sudene em sua primeira existência”.
Prevejo que em 2004 um juiz suspeito de vender habeas corpus para traficantes, depois de 11 meses afastado de sua função como ministro do Superior Tribunal de Justiça, será castigado pelo presidente Lula conforme a lei não escrita que os causídicos chamam de “não positivada”. Quero dizer que ele será sumariamente, dura lex sed lex, doa a quem doer, a-po-sen-ta-do. Com salário integral, dezesseis paus por mês até o fim da existência.
Pai Mário vê em sua bola de cristal que um ministro da Justiça de país sul-americano terá azar em 2004, aumentando sua já enorme coleção de desditas. Bafejado pela má sorte em 2002, com a incômoda coincidência de sua nomeação com a sustação do processo que apurava a morte do calouro de medicina da USP Edison Hsueh (o ministro defendia um dos acusados), entrou para a galeria universal das declarações infames em 2003, ao armar um beiço e dizer que "atirar galinha na prefeita é como jogar veado num homem" (quando um manifestante exaltado alvejou a prefeita paulistana com uma penosa).
Daí, em novo revés, o ministro vai liderar em 2004 a operação de desarmamento obrigatório dos cidadãos, uma ajuda à campanha presidencial de criação de empregos – no caso, o primeiro emprego de assaltante. E as coincidências não ajudam, mesmo. Foi advogado dos jovens brasilienses que queimaram o índio Galdino em 1997, os mesmos que uma juíza quis livrar a cara interpretando que o incêndio “não foi por querer” e depois furaram a fila da condicional (outros presos esperavam havia muito mais tempo), mas abusaram e voltaram à gaiola.
É muito azar do ministro, bem no momento histórico em que se começa a reconhecer o papel da impunidade no processo da miséria (sim, é um processo; Nelson Rodrigues já avisou que o subdesenvolvimento não se improvisa). Tem madeira aí, leitora? Três pancadinhas, por favor. Feliz 2004.

Nenhum comentário: