quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O inominável II

Publicada n'O Taquaryense em 20 de novembro de 2004.

Fidelito, fiquei te devendo o curriculum vitae completo do inominável porque, de tão grande que é, parece a ficha corrida de alguns deputados. Nem o “saudoso” ex-deputado Hildebrando Paschoal, o da motosserra, é tão falado. Mas retomo o assunto porque é um investimento cultural que eu faço, para ilustração dos leitores.

Lá vai: um cafundó, lugar ermo, é comumente chamado inominável-de-judas, -do-mundo ou -do-conde. No Nordeste, a cachaça, quando servida com rodelas de limão e sal, é inominável-de-jegue. Há uma trepadeira ornamental rotulada de inominável-de-cachorro, também conhecida como erva-de-cabrita.

Uma pessoa que faz de conta que não quer algo, mas no íntimo anseia pela coisa está fazendo inominável-doce. Quem está apavorado está com o inominável na mão. Nos jogos infantis, a técnica mais primária de segurar a bolinha de gude se chama inominável-de-galinha. Por falar em criança, um precursor da fralda descartável, quando ainda só havia pano para aparar a produção dos nenês, é conhecido pelo inominável com o sufixo -eiro.

O vaga-lume ou pirilampo também é apelidado inomináveldelume (assim, tudo junto sem tracinho). Falando em bicho, quem requisita uma vantagem indevida ou abusiva ouve um “no inominável, papagaio!”, em alusão a uma famosa anedota na qual o adorável psitacídeo falante se dá mal. Mas aí já estamos no campo do chulo. Voltemos à arena respeitável.

Ou tentemos voltar. Porque eu mesmo, sem querer, expus publicamente o inominável. Foi há uns pares de anos, quando ofereci um curso de extensão a funcionários e professores universitários interessados em aprender a usar a internet, que era novidade. Criamos e-mails, lista de discussão, navegamos e coisa e tal. Ali pela metade do curso resolvi tirar a temperatura, para ver se todos estavam dominando a coisa.

Mandei uma mensagem para a lista, isto é, para todo mundo, com o assunto “Olá, como vai o curso?”. Pois a janelinha onde aparecem as mensagens mostrou, para todos os cursantes, a última palavra do campo assunto cortada ao meio.

Podes imaginar o constrangimento. Ou o grupo era muito pudico ou tinha por mim uma grande afeição e quis me poupar do vexame, pois nunca, nesses anos todos, ouvi qualquer menção ao episódio. Foi como se não houvesse acontecido. Gente próxima, que não precisava ter cerimônia, me diz que “não, não lembro; foi?”

Talvez a aparição mais respeitável do inominável seja no papel de símbolo químico do cobre, que é internacional. Também global é a abreviação de polegada cúbica, inominável in. E ainda tem o .inominável, sufixo que representa os domínios cubanos na internet, da mesma forma que o Brasil tem o .br.

E olha, Fidel, que essas coisas estão no dicionário. Se estão lá é porque o inominável deve ser importante, ou Pablo Neruda não teria escrito a Ode ao Dicionário chamando-o de celeiro do idioma. Isso tudo mostra a importância do inominável nas nossas vidas. Ali está ele, o desprezado nas rodas elitizadas, o “terceiro olho” que todos têm, como a nos lembrar do lado ridículo da condição humana.

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