quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Pastor alemão é bicho ou é gente?

Publicada n'O Taquaryense em 11 de dezembro de 2004.

Caro Fidel, agora que baixou a poeira das eleições é que eu começo a me inteirar sobre algumas notícias. Não tive muita paciência de acompanhar as análises sobre os eleitos, os novos campeões de voto e os decadentes ex-vereadores e prefeitos minguantes. Também perdi contato com o noticiário sobre os “anfiteatros mais engraçados do Brasil, o Senado e a Câmara”, no dizer do Millôr Fernandes.
É preciso desgrudar a parte trágica e conseguir achar a graça, a parte cômica das histórias desse pessoal que deputa. Por exemplo, leio que um tal Pastor Reinaldo apresentou um lote de nove projetos de lei. Dizem que todas as propostas do profícuo representante são igualmente relevantes – quer dizer, todas absolutamente inúteis. Porém, por algum motivo, uma delas ficou mais famosa: a que proíbe dar nome de gente a animais.
Eu não quero discutir o mérito da proposta. O que me intriga é: como definir o que é nome de gente e o que é nome de bicho? É preciso ser fundamentalista para simplificar uma questão filosófica tão vasta (e inútil) e chegar a uma decisão: “isso é nome de gente, isso é nome de bicho”. Ajuda, caro deputado, se te aliares à turma do Jorge Bucha e puseres a culpa no Todo-poderoso. Diz que Ele te deu a lista de quais são os nomes de bicho e os de gente (como fez com as tábuas da lei, entregues a Moisés).
Posso ou não posso chamar um kinguio, esse peixinho dourado originário da China (e não do Japão, como pensam muitos) de Chang? E se eu disser que Chang é o sobrenome mais comum na face da terra? Tudo bem, é só ver se está na lista do deputado. Ou... será que eu não entendi a notícia? Será que o tal Pastor Reinaldo é um cão pastor chamado Reinaldo?
Não, acho que não. Acho que é um bípede. Nesse caso, Freud explica: o deputado sofre com um não-resolvido trauma por ter nome de bicho (Pastor, não Reinaldo, que é nome de gente, inclusive de um amigo meu) e quer descontar na bicharada. Conheci uma galinha chamada Aguinalda e um gato chamado Carlos Alberto. Nenhum deles deputava, mas até que poderia ser, pois já houve vários políticos zoológicos – Incitatus era um cavalo senador, Cacareco foi um rinoceronte vereador e por aí vai.
Aliás, o Cacareco merece um parêntesis. Foi emprestado pelo zoológico do Rio para São Paulo, especialmente para inaugurar o zôo da terra da garoa. Chegou em 28 de setembro de 1958 e causou a maior briga: os cariocas o queriam de volta, os paulistanos se apaixonaram e se adonaram. Um ano depois, durante a campanha eleitoral, só dava Cacareco nas manchetes. Aconteceu o imprevisível: mesmo sem partido e com o domicílio em disputa, foi o vereador mais votado de São Paulo. Nenhum partido, contando todos os candidatos, somou os 100 mil sufrágios recebidos pelo quadrúpede.
Esse causo ilustra o fim da poesia do tempo em que o voto era escrivinhado num papelzinho. Hoje não dá mais para votar no Cacareco, só em candidato registrado, com número e foto. A tecnologia avança e a vida perde o sentido. Agora só falta proibirem a gente de xingar juiz ou buzinar para comemorar um gol. O governo não deixa mais a gente cometer nenhuma asneira. Só eles, que têm o monopólio da estupidez.

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