sábado, 24 de janeiro de 2009

Bosta de minhas férias

Publicada n'O Taquaryense em 12 de março de 2005.

Fidel, esquece tudo o que eu escrevi. Coerência perfeita é coisa de carola. Não é porque eu disse “basta” que vou deixar de escrever sobre as minhas férias. É que estas realmente valem a pena contar.
Viajei para Sobril, um país fictício muito parecido com o nosso. O nome vem de sobro, árvore corticeira de características opostas às que o dicionário Aurélio atribui ao pau-brasil – incorruptível e duro.
A bandeira é parecida, só que em vez de “Ordem e Progresso” sobre uma faixa branca, tem “Com Jeito Vai” sobre uma banana. A língua que eles falam é também muito parecida com o português, mas não é português. Por exemplo, o cidadão trabalhador e pagador de impostos eles chamam de octário. Povo é octariado. Governo é sócio autoritário (SA).
O octariado adora o SA, tanto que trabalha a metade do ano só para sustentá-lo, recebendo quase nada em troca. Para felicidade do octariado, o presidente aumentou os impostos federais e, no estado do Sobril Meridional, o SA estadual também aumentou.
O SA estadual anterior tentou aumentar alguns em troca de desconto em outros, mas a oposição não deixou, porque não teria a menor graça. Imagina se é no Brasil, Fidelito – o povo ia para a rua bater panela! Mas lá eles gostam.
Também há empresários octários. Pagam impostos, dão nota fiscal, fazem alvarás – eu não entendo por quê. Isso é muito ruim, porque os octários, quando vão às compras, acham que a loja tem que dar nota. Por exemplo, na Ilha Mágica, lugar paradisíaco onde todos querem estar no verão, quase não há empresários octários, mas bastam uns poucos para o octariado alimentar o mau costume de implorar por uma nota. É uma cena triste de ver, porque eles resmungam, chateiam, mas não conseguem.
O povo sobrileiro é muito empreendedor. O octário que deseja abrir uma empresa costuma recorrer ao financiamento do FAT, que não é Fundo de Amparo ao Trabalhador, mas Família, Amigos e Tolos. Eles dizem que só razões do coração ou a tolice podem justificar o investimento numa nova empresa, com todos os alvarás, certificados, impostos regulares e inventados que virão.
Como em qualquer país, os políticos sobrileiros não têm uma fama lá muito boa. O octariado os aprecia tanto quanto aos ladrões e traficantes. Mas o detalhe interessante é que a democracia deles é perfeita: não só os supracitados podem roubar – qualquer mané pode!
Vê o caso do sócio toureiro (ST), Fidelito. É um sujeito que abana uma flanela para os motoristas que estacionam, como quem toureia. STs não são octários, não são responsáveis por roubos ou avarias, mas cobram dos octários que estacionam na rua. E eles pagam. Sorte dos ST que estão no Sobril e não aqui – seriam presos por vagabundagem e extorsão, né?
Mas o que me cortou o coração foi conhecer Tambor do Sobril, uma cidade maravilhosa, muito linda e muito violenta, e é fácil ver a razão: o tráfico de drogas movimenta alguns bilhões de dólares por ano. É só olhar para o luxo das favelas nos morros, que é onde vivem os traficantes, para entender o ódio no coração da pobre gente que mora em coberturas duplex nas avenidas à beira-mar. Mas ano que vem eu volto.

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