sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Para que notícia?

Publicada n'O Taquaryense em 15 de janeiro de 2005.

Fidel, eu disse quando estreei nestas páginas que leio o Taquaryense quase sempre e os demais jornais quase nunca. É porque a função da imprensa, se algum dia foi informar, há muito deixou de ser. Hoje é muito mais entreter, mistificar e confundir. Tanto que criaram o termo “infotenimento”.
Não faltam exemplos de invenção jornalística. Lembra da última campanha presidencial, quando um grande jornal noticiou um comício do candidato José Serra que fora cancelado? E deram detalhes, “relataram”... Nesse caso houve má fé sem maldade, foi só a publicação de uma “notícia” redigida previamente.
E nas Olimpíadas de 1994? Eu estava lá e assisti à não-cobertura norte-americana da rede NBC, que comprou os direitos de não transmitir os jogos. Torci pelo Xuxa, o Fernando Scherer, na final dos 50 m nado livre. Pois em toda a transmissão só se pôde ver o russo Popov, que afinal ganhou, o nativo, que foi prata, e no final o enquadramento perfeito de duas bandeiras, subindo na cerimônia de premiação.
Nem o Xuxa, que ficou com o bronze, nem a bandeira brasileira, nem qualquer dos outros competidores apareceram. Isso é que é iludir com organização e alta tecnologia. Isso é que é primeiro mundo. A tecnologia avança, tudo se automatiza e fica claro quanto era tola aquela idéia de que “no futuro a vida será uma beleza e todo mundo viverá em férias”.
Comparando os dois casos, a diferença está no nível de competência na prestidigitação dos “fatos”. E isso é comum, aceito, “normal”. Se não fosse assim, o grande jornal que eu citei cairia em desgraça depois de publicar uma manchete “Governo Lula vai acabar com o Provão” com um texto que dizia exatamente o oposto. Bom, pelo menos eles acertaram no resultado, pois foi o que o governo acabou fazendo.
Essa tolerância com a mentira, ou até a sua exaltação como boa técnica, é o que me faz preferir as análises, crônicas e editoriais. Pelo menos eu sei que é opinião. As “notícias” são furadas e é só desgraça.
É como disse o físico César Lattes ao Jornal da Unicamp: “A leitura do jornal toda manhã é um ato de masoquismo. Acho que qualquer pessoa com um pouco de visão, ao ler essas notícias, deve ficar desesperançada. Eu, pelo menos, estou. Vocês não?”
A liberdade de imprensa foi criada pelos norte-americanos e sepultada pelos próprios. É a evolução. Foi-se entendendo como funciona e foram-se profissionalizando os jeitos de meter coisa na cabeça do povo, mostrar, ocultar.
É o jeito de lidar com a opinião pública, que já há muito tempo o escritor Oscar Wilde qualificou de “uma tentativa de organizar a ignorância das pessoas e elevá-la à dignidade da força física.” E tem gente especializada no negócio de fazer a opinião pública. Não é importante relatar ou analisar objetivamente os fatos, o importante é dar ibope, fazer marola.
Há uns anos, aqui onde eu moro, acompanhei de perto um evento de ciência, tecnologia e política que teve um ministro, o governador e o reitor da universidade, além de dirigentes de agências governamentais de 12 países. Claro que a imprensa recebeu um belo release. No dia da inauguração, o tema de um jornal matutino da TV local foi “Reiki para cachorros”.

Nenhum comentário: