terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Bons tempos, aqueles

Publicada n'O Taquaryense em 21 de maio de 2005.

Caro Fidel, a luta entre o bem e o mal está de volta. Se algo separava a geração que é jovem agora da que foi jovem na época da ditadura, era essa aparente falta de uma fonte primordial de ruindade, que nos meus tempos de guri era farta: torturadores, censores, deputados estaduais fazendo empréstimos especialíssimos na Caixa Estadual...
Não estou dizendo que essas coisas acabaram. É notório que alguns perpetradores seguiram na carreira política e até hoje ocupam cargos importantes. Também há novos estrupícios. Porém, reconheçamos: temos democracia.
Quem diz que não temos, que não somos independentes, é aquele tipo que só reclama e não tem disposição ou paciência para progredir no passo que nos permite a nossa capacidade. Não há baioneta apontada para a nossa cabeça. Ponto. Daí para a frente é conosco.
Fechando parêntesis e voltando à juventude, todo mundo sabe que a pandorga sobe contra o vento. A gente precisa de uma certa dose de oposição para crescer. Ter tudo a favor pode parecer muito lindo, mas é um sonho ingênuo, próprio de quem teve tudo contra.
Senão, vejamos a onda atual na educação das crianças: os pais precisam impor limites. Vindos de um mundo estúpido que só os impunha, acharam que suprimi-los criaria liberdade, mas acabaram criando chatos que gritam e sapateiam – para ganhar chupeta ou um carro 0 km.
Eis que surge um fato novo para ajudar a construir o caráter, separar a atrocidade da virtude: o fundamentalismo cristão. Na matriz, a coisa começa pelo próprio presidente, que agora, inclusive, foi até eleito de verdade. Jorge Bucha é a fina flor do fundamentalismo.
No Brasil, ainda não chama tanto a atenção, mas não é de se desprezar: alinham-se contra a mania de dar bola para argumentos e evidências o presidente da Câmara dos Deputados, os governadores Garotinhos e uma legião de deputados do baixo clero.
No Rio, o governo resolveu catequizar com dinheiro público. Em vez de Darwin, Adão e Eva – mesmo que o assunto seja Biologia e não Cultura Religiosa. Cientistas e religiosos conviviam em relativa harmonia, mas com os fundamentalistas não tem conversa – eles têm a Verdade.
Não sei se aqui vai chegar a acontecer o que promete virar moda na América do Norte: alunos a processar professores que apresentarem a teoria da evolução, essa tese abusiva, só porque é baseada em fatos e argumentos. Mas nós não somos tão afeitos a brigar por idéias.
O fundamentalismo enfrentado pela geração mais antiga foi político. A universidade sempre foi um foco de resistência, mas houve gente cooptada, como um botânico soviético que negou a existência dos genes só para conquistar a desgraça acadêmica e as graças de Stalin.
Claro que a polaridade ideológica exacerbada gerava algumas ações pitorescas e fora de foco. Fazer greve de Coca-Cola para protestar contra o imperialismo ianque, por exemplo. Ou saciar o masoquismo enfrentando a polícia aos gritos de “me bate, me chuta!”.
Houve, também, o caso de um candidato a líder sindical que fez campanha com o lema “Chega de basta!”. Ganha a eleição para presidente do sindicato, mudou-se de mala e cuia para a sede, pois estava na penúria. Bons tempos, aqueles.

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