terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

El bueno y el malo

Publicada n'O Taquaryense em 27 de agosto de 2005.

Caro Fidel, confesso que me causam certo asco essas cenas de "vale-tudo" que piscam na tela da TV quando eu zapeio pelos canais de esporte. Não gosto de ver gente se espancando até estropiar. É uma competição nada saudável. Não entendo como podem considerar esporte.
Até no boxe, que é esporte olímpico, o meu desgosto já se equipara ao interesse esportivo. A luta em si é bonita, mas já é hora de reconhecer que é mais estupidez do que esporte. O cérebro de um boxeur não resiste a tanta pancada. Vira mingau, está provado.
Porém, por algum motivo, parece que têm mercado garantido os programas de luta. Deve ser algo impresso na placa-mãe do cérebro masculino. Algumas mulheres também gostam, mas os barbados são mais fãs da pancadaria.
Quando eu era pouco mais do que um nenê, tinha fascínio pelo tele-catch, uma espécie de luta-livre em que marmanjões se soqueiam de um jeito bastante ridículo e ensaiado. Uma presepada. Quem é jovem não chegou a conhecer esse teatro da porrada.
Estou falando do início dos anos 1970. Não tínhamos permissão, eu e meus irmãos, para ver a luta. Porém, quando ficávamos com a avó, implorávamos até ela deixar. E, claro, tínhamos nossas preferências. Igualmente óbvio é que preferíamos os mocinhos, os do bem.
Eu lembrei que o Ted Boy Marino era um dos principais mocinhos, equivalente a um galã de novela. Mas tive de ir à web para refrescar a memória sobre o Fantomas e a Múmia, que eu pensava que eram bandidos, só que um sítio diz que eram de um grupo intermediário. Bandidos, mesmo, eram o Rasputin, o Verdugo e companhia.
Os golpes eram acrobáticos. O principal era a “tesoura voadora”, na qual o lutador se jogava com os pés em volta do pescoço do inimigo e o jogava na lona. A gente torcia, xingava, uivava. Às vezes havia briga de duplas ou até mais gente – uma apoteose.
Os mocinhos costumavam usar roupas claras. Tinham o cabelo bem aparado, eram simpáticos, atléticos, depilados no sovaco e jamais usavam golpes baixos como espremer limão no olho do oponente, morder ou espetar os dois dedos nos olhos do rival, o que era contra as regras.
Já os bandidos eram feios, sujos, peludos, mal-humorados, usavam roupas escuras e dirigiam ofensas à platéia. Começavam surrando o mocinho, usando golpes baixos com a conivência do juiz, que fingia não ver. A torcida ficava muito contrariada. Vez por outra alguém tentava subir no ringue para bater no juiz.
No fim, porém, o bem vencia. Ted Boy Marino se recuperava da surra e aplicava uma seqüência de tesouras voadoras no bandido. Daí, qualquer coisa valia e fazia a platéia delirar. Até pisão no braço e joelhada no estômago. Afinal, era o bem contra o mal! Mal sabia eu, nos meus tenros aninhos, que era tudo combinado antes.
Assim era, Fidelito. Fácil de separar o vício da virtude. O bem era limpo, simpático, cortês e jamais jogava sujo. O mal era imundo, mal-encarado, grosseiro e picareta por natureza.
Com inocência infantil, dava para acreditar nessa história. Na verdade, muito adulto também acreditava. Já quem não acreditava tendia a desaparecer. Desaparecer como os dinossauros, como os cantores do rádio, como os amigos do bairro (como dizem certos versos argentinos).

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