terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A serendipidade severina

Publicada n'O Taquaryense em 30 de abril de 2005.

Fidel, um dia desses descobri essa palavra que tem ano, mês e dia de nascimento: 28 de Janeiro de 1754. Foi quando o inglês Sir Horace Walpole a escreveu numa carta a seu amigo Horace Mann. Sacou a idéia do livro Os Três Príncipes de Serendip.
No livro, os 3 nobres passeiam pelo Sri Lanka, a ilha que já se chamou Ceilão, que já se chamou Serendip, e fazem descobertas de coisas que não procuravam descobrir, numa mistura de acidente e sagacidade. Daí em diante, a faculdade de fazer descobertas boas e inesperadas “por acidente” virou serendipidade.
Isso lembra algumas descobertas famosas. Por exemplo, quando o rei de Siracusa desconfiou que estava sendo roubado pelo ourives que fez sua coroa, pediu a Arquimedes que investigasse a composição. Já se conhecia a densidade do ouro, portanto qualquer mistura indevida seria flagrada pela densidade alterada da coroa.
Era preciso saber o peso da coroa – fácil – e o volume. Arquimedes tinha criado fórmulas para calcular volume, daí a convocação do rei. Então a cobra fumou – como medir o volume de algo com formas tão irregulares?
Diz a lenda que, ao entrar no banho e ver a banheira transbordar, Arquimedes sacou que o volume deslocado era igual ao volume imerso. O resto da história é conhecido: saiu gritando “Eureka! Eureka!”, peladão.
Também dizem que Newton, inglesamente tomando chá no jardim, viu cair uma maçã e pescou que a força que a atraíra deveria ser a mesma que mantém os planetas orbitando o sol. A penicilina também foi descoberta por acaso – Fleming percebeu que as bactérias que estudava morriam na presença de certo tipo de bolor. Foi estudar o bolor. Pimba! Penicilina.
Não é incomum descobrir algo por acaso, mas nem sempre são descobertas venturosas. Na nossa busca por democracia, por exemplo, queríamos Tancredo e encontramos Sarney. Já na eleição seguinte, topamos exatamente com o procurado: o candidato que forjou uma arruaça do adversário, travestindo seus capangas como contrários.
Mais tarde, pagou para que a ex-mulher do oponente aparecesse com uma denúncia grave e mentirosa. Tudo descoberto e divulgado pela grande imprensa antes da eleição, mas elegemos o personagem. Êta pontaria nossa, hem Fidelito?
E hoje? Na tentativa de aperfeiçoar o sistema de controle remoto da Câmara dos Deputados, que vige (virge!) desde o governo anterior, o que se encontrou foi a eleição de um potencial representante das trevas para o terceiro cargo mais importante da república.
Encontraram Severino. E não é que o cabra resolveu tirar a pilha do controle remoto? Por incrível que pareça, talvez esteja aí a descoberta de uma Câmara decente, autônoma. Dizia Picasso, o artista, que a inspiração existe, mas tem que te encontrar trabalhando. Aproveitar a oportunidade só depende de nós.
Eu ia contar que os 3 príncipes de Serendip, depois de muito passeio, chegam à Pérsia do rei Bahram. No caminho, conversam com um mercador que busca um camelo desaparecido. Eles não haviam visto camelo nenhum, mas o descrevem tão bem que o mercador desconfia, corre até o rei e os denuncia. Ao chegar, o rei lhes dá a oportunidade de escolher: morrer ou entregar o camelo. Mas aí já é fábula demais.

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