terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Como enrolar o telemarketing

Publicada n'O Taquaryense em 23 de outubro de 2004.

Fidel, quando ligarem às 8 da manhã de sábado, querendo falar com o “senhor Fidel” ou a “dona Teresa”, nem pensa em dispensar a chateação usando táticas antigas. “Não estou interessado, obrigado” ou imitar barulho de fax são recursos inúteis (se bem que conheço gente talentosa nessa imitação).
Os operadores são treinados; o negócio tem uma sofisticação que nós, pobres cidadãos, não estamos preparados para enfrentar. É por isso que eu venho, por estas mal traçadas, contar o que descobri ouvindo e xeretando histórias bem-sucedidas de combate telefônico.
Primeira regra: não ofender nem bater o telefone – o operador vai ligar imediatamente para a próxima vítima! Precisamos trabalhar em equipe. Além disso, quem chama é um ser humano que nem nós e precisa do emprego. Nosso papel é fazer o negócio pouco lucrativo, daí o investidor espertalhão (olha o teu fundo de aplicações aí) vai investir em coisa mais interessante e, quem sabe, mais decente.
Se tiveres tempo, puxa conversa. Pergunta se a pessoa estuda, comenta que tu soubeste de empresas de telemarketing que pagam salários baixos e fazem promessas de gordas comissões sobre vendas impossíveis. Que mandam o operador mentir e enrolar o cliente. Mas tem que fazer isso com jeito para segurar o personagem na linha, pois os telemarqueteiros acham o tempo precioso – o deles, não o teu.
Responde tudo o que perguntarem, desde que seja despiste. Obviamente não estou advogando a falsidade ideológica. Não é nada disso; é só uma questão de arrumar um bom pseudônimo e “endereço fantasia”. (Gostaste dessa? É o tipo de lorota que eles armam para a gente).
Enrolar é questão de talento e prática. Tenta essas: “Um segundinho só, o doutor Fidel está no outro telefone”. “Momento, tenho uma segunda chamada em espera”. “O senhor Mário saiu, quer deixar recado? Não, peraí, ele está chegando, já vou chamar” (Jacaré chegou? Depois me conta se o senhor Mário chegou para atender ao telefone). “Mas o meu nome não é Mário, é Amaro”. “Não é Amaro, é Mauro”. “Não é Mauro, é Mário”. Mas aí já é enticar com o pobre. Se é assim, tem táticas melhores...
"Esta ligação será cobrada à taxa de R$ 3,99 por minuto; permaneça na linha, sua ligação é muito importante para nós". "Por favor me dá teu número que eu ligo de volta" (mas cuidado, pode acabar em namoro se for pessoa do sexo interessante). “Por que não me dás o número? Não gostas de responder perguntas de um estranho por telefone?”
Bancar o surdo irrita mas dura pouco, melhor é contar em voz alta quantas vezes ela repete o teu nome, ou usar a mesma tática: “E como é que eu faço a doação, senhora Jennifer de Fátima?” Já que eles ficam repetindo, dá um nome longo e proparoxítono. Ou insiste para que pronunciem direito teu nome – “É Dessssmond, com ‘s’ espanhol, assoprado. De novo: Dessssmond”.
Depois de ouvir pacientemente o discurso ensaiado, abre o jogo: “Bem que gostaria de ganhar esse cartão de crédito, mas assim eu violo a condicional e vou preso de novo.” Agora, se quiseres mesmo colaborar com a causa, tasca um número de telefone de orelhão quebrado em tudo que é cupom de sorteio que te derem. Isso é que é ser cidadão consciente.

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