domingo, 7 de dezembro de 2008

Na presença de um mito

Publicada n'O Taquaryense em 21 de agosto de 2004.

Fidel, mal terminei a carta que falava de jovens empreendedores, recebi a notícia da passagem de um grande empreendedor – jovem de espírito aos 101 anos. Há pouco tempo indaguei de algumas pessoas a sua trajetória. Só depois da perda lembrei de fazer uma busca na web e vi que há uma quantidade de material sobre Plínio Saraiva.
Jornais e outros veículos registram sua história de jornaleiro, quando começou a seguir os passos do pai, até editor deste semanário, que comandou desde 1947. O centenário de nascimento tem a cobertura mais copiosa, mas não há como separar a história dele da do jornal que publica estas mal traçadas. É o segundo jornal mais antigo do Rio Grande em circulação (desde 1887), cinco anos mais jovem do que a Gazeta do Alegrete e três anos mais idoso do que o Diário Popular pelotense.
O Correio Braziliense arrisca que O Taquaryense deve ser o único brasileiro a ainda usar a caixa francesa para toda a sua composição. Nessa caixa francesa, eu explico, ficam os tipos móveis, montados um a um (no nosso caso, numa impressora Marinoni comprada usada do Correio do Povo em 1910). Maiúsculas na caixa de cima, minúsculas na caixa de baixo. É daí que vêm as expressões “caixa alta” e “caixa baixa” usadas até hoje.
Pois eu tive o privilégio de conviver e observá-lo no ambiente de trabalho, numa sexta-feira em que vi publicada uma das primeiras edições destas cartas, caro Fidel. Quando cheguei, fui gentilmente recebido pela equipe, que me mostrou a casa. Pude espiar o acervo, que vem sendo lembrado em pérolas centenárias reproduzidas agora, tanto tempo depois. Também acompanhei a tiragem, fino espetáculo.
Ele chegou e cumprimentou, muito educado e elegante como era seu costume. Cioso do destino dos 500 exemplares, dedicou especial atenção ao feixe já endereçado, amarrado com barbante, que jazia sobre a mesa. Eram as cópias a serem espalhadas pelo Brasil e pelo mundo, levando aos taquarienses nativos ou adotivos as reflexões (no caso, da Lagoa Armênia) [1], os fatos (sem fotos), os pensamentos, as inquietações e a luta dos conterrâneos contada por outros conterrâneos dentre os quais eu, de furão, despudorada e orgulhosamente me meti. Desatou o laço, desfez o feixe e conferiu um a um. Só então, seguro de que os exilados teriam as preciosas quatro páginas de saudade, permitiu-se relaxar e bater papo.
Eu viera prevenido com uma máquina fotográfica a tiracolo, mas um pudor estranho me atacou. Lembrei da época de faculdade, nos 1980, quando entre amigos nos chamávamos e discretamente apontávamos a presença dele – o grande dragão da poesia Mário Quintana – calmamente deambulando pela cena porto-alegrense. Não queríamos tietar descaradamente, como fãs de músicos que gritam e se escabelam na proximidade do ídolo.
Pois é, o tal pudor impediu minha iniciativa de convidá-lo para um retrato lado a lado, com a portada d’O Taquaryense como cenário. No entanto, tenho certeza de que a película que foi sacada está mais de acordo com o gosto dele: toda a equipe do semanário, com a velha Marinoni ao fundo. É esquisita a sensação de presenciar um momento glorioso e de estar na presença de um mito do jornalismo.
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[1] Reflexões da Lagoa e Fatos sem Fotos são algumas das seções permanentes do jornal; discorrem sobre o que interessa aos taquarienses (ao mundo, eu diria).

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