terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Não olha agora

Publicada n'O Taquaryense em 6 de novembro de 2004.

Querido Fidel, tu sabes da dificuldade que eu tenho às vezes para enxergar. Não é bem para enxergar, mas para encontrar alguma coisa. Há vezes em que procuro e não acho, embora esteja bem debaixo do nariz. Mas nada de errado com o meu olho, pelo contrário. Até o pequeno astigmatismo diminuiu, vai entender isso.
Já perdi uma panela de sopa em plena cozinha. Não consegui encontrar um mouse que estava ao lado do teclado apenas porque era preto (eu esperava aquela cor creme usual). Antes de tu pensares que é coisa de maluco (será?), deixa eu chamar o Steven Pinker para ajudar.
Ele tem um capítulo inteiro dedicado à visão no livro Como a mente funciona. Aliás, “a mente de quem?”, perguntou uma amiga ao saber o que eu estava lendo. Ele já se entrega no prefácio, dizendo que o livro não explica como a mente funciona. Tem cabimento escrever um livro para não explicar uma coisa?
Uma das não-explicações mais interessantes é que o olho não vê. Claro, tu dirás, a imagem é formada no cérebro. Não é isso, eu quero dizer que o estímulo visual recebido pelos olhos não é suficiente para formar a imagem que a gente “vê”. O afastamento de 6 ou 7 cm entre os olhos é uma tosca tentativa de ver em terceira dimensão. Acaba sendo uma visão em 2,5 dimensões, condizente com a nossa miséria.
O olho não vê (nem o cérebro, se a gente considerar apenas a informação visual que chega) porque há ambigüidade, é simplesmente impossível decifrar o campo visual com nossos dois olhinhos – alguns têm quatro, mas não faz muita diferença. Então como é que a gente enxerga? Tu acreditas se eu te disser que é inventando?
Pois é isso: a gente inventa a parte da visão que não entra pelos olhos. Mas é uma invenção malandra, um bom palpite que funciona na imensa maioria das situações. O segredo para enxergar é usar, para quem acredita nisso, o bom senso (eu prefiro chamar de senso comum). Só que é automático, não precisa nem pode pensar.
Já viste os desenhos do Escher, aquele artista holandês? Ele tem uma manha danada para desenhar de um jeito que tu nunca sabes o que está em pé, deitado, o que é quina e o que é cova. Ele faz de sacanagem, na natureza dificilmente acontecem essas confusões. Como eu não tenho o talento dele, preparei uma peça meio rústica para ti. Olha isso aí, desfocado, além do papel, fazendo com que os “oo” se sobreponham:
_____________________o___o_________________
1231231231231231231231231231231231231231231
4564564564564564564564564564564564564564564
789789789789789a789a789a789a789789789789789
123123123123123e123e123e123e123123123123123
4564564564564564564i564i5645645645645645645
7897897897897897897o897o8978978978978978978
1231231231231231231u231u2312312312312312312
4564564564564564564y564y5645645645645645645
7897897897897897897897897897897897897897897
1231231231231231231231231231231231231231231


Acho que é tarde para te pedir que não fiques bravo se não enxergares nada. Espero que te divirtas vendo um T gorducho, de Taquaryense, ali bem no meio do quadro, num plano mais distante que a página. Se não vires, eu é que vou achar graça, porque vais ficar invocado, pensando que é lorota.

Nenhum comentário: